Ficção e o Cinema Árabe


15/08/2016



Não devo ser o único a intuir que há mais verdade na ficção do que na vida real. A ficção ou, se quisermos, o contar uma história, alguém dirá, não é outra coisa que não uma versão de alguma parte real da vida, ou outra coisa que não imaginar o que essa realidade poderia ser.

Como podem a versão e a imaginação conterem mais verdade do que o real que contam ou imaginam?

O fato é que a vida nossa e as relações que a preenchem são inevitavelmente tocadas por algumas mentiras, grandes ou pequenas, necessariamente organizadas por uma hipocrisia sem a qual estaríamos todos provavelmente agarrados aos pescoços uns dos outros, e organizadas por silêncios e não-ditos que nos permitem o livre trânsito entre amigos e familiares que não nos perdoariam muito do que pensamos ou fazemos.

Algumas ciências e alguns discursos muito inteligentes se debruçam até competentemente sobre a vida e as relações e tentam revelá-las em toda a sua verdade. Por vezes conseguem, mas o fazem em tese, em geral. Quando olham para o concreto, para o singular, a coisa toda é tão racional, tão argumentada, que operam como o bisturi do legista, sobre um corpo de onde o mistério escapou, e com ele qualquer traço dessa verdade a que me refiro.

A afirmação parece exagerada? Imaginemos que vem da boca de um personagem fictício a quem fazemos responsável por ela e fica tudo resolvido. A ficção funciona como um filtro, um prisma, que nos permite tocar algumas verdades sem nos queimarmos. Ela permite revelar um pouco do que rege as relações sem que apontemos o dedo para um vizinho ou um tio real.

Esta minha convicção, mais intuída que pensada, aflorou de novo agora quando acontece por aqui a nova edição da Mostra de Cinema Árabe (http://www.mundoarabe2016.icarabe.org/).

As histórias contadas pelos filmes ali reunidos contam também versões, sempre parciais e sempre passíveis de contestação, de mundos reais, ou contam versões imaginadas do que poderia ser real.

Na medida em que são obras de ficção ou, no caso dos documentários, de tratamento criativo da realidade, convidam mais a uma aproximação afetiva, a uma empatia, do que à análise, ao entendimento frio.

São retratos da experiência humana, sempre em parte mentirosos porque não contam a história inteira, mas sempre verdadeiros porque contam a verdade de uma experiência possível. 


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