"Acordo se baseia em condições de realismo polí­tico"


Monica Gugliano

17/07/2015



Por Monica Gugliano
Para o Valor, de São Paulo
17/07/2015 às 05h00

Ao comemorar o histórico acordo nuclear entre os Estados Unidos e o Irã, o presidente americano Barack Obama disse que o mundo ficava mais seguro. Pesquisador das questões dos mundos árabe e muçulmano, Salem Nasser, professor da Fundação Getúlio Vargas, observa que é preciso concordar com a premissa de que o Irã pretendia produzir e usar armas nucleares para aceitar o argumento do presidente, o que, para ele, não é o caso. Nasser considera, porém, que Obama foi o presidente certo para pragmática e realisticamente dizer: "Não temos outra saída".

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Qual é a avaliação que o senhor faz desse acordo histórico?

Salem Nasser: Há várias leituras. A mais usual é a de que o Irã teria feito concessões extraordinárias, cedido à pressão do Ocidente e das sanções. Minha leitura é ao contrário disso. Para mim, o que aconteceu é que finalmente o Ocidente se aproximou da postura iraniana e não o oposto. Havia uma desconfiança, uma crença de que o Irã necessariamente mentia. Não vejo razões para essa desconfiança. O que assistimos hoje é a uma inflexão da posição ocidental e não da posição iraniana. É uma grande vitória iraniana.

Valor: Mas ambos cederam, não?

Nasser: O Irã queria que os americanos fossem à mesa de negociações e dissessem que não tentarão derrubar o regime iraniano. Acho que o que assistimos com Obama foi a essa inflexão. Finalmente os americanos se sentaram à mesa com os iranianos. Atenderam ao pedido dos iranianos e reconheceram a soberania do Irã. Tardamos a conseguir esse acordo porque o Ocidente modificou sua postura, atendeu às demandas dos iranianos e reconheceu que era o único caminho. A ação armada, já se sabia havia um bom tempo que não era viável, era uma ameaça vazia que servia muito mais como bravata.

Valor: Obama disse que o acordo não se baseia em confiança, mas na verificação constante das atividades no Irã.

Nasser: Isso está no plano da retórica. Quando Obama diz isso e nos parece uma declaração forte, podemos pensar também no que dizem os iranianos. Podemos lembrar que o aiatolá Ali Khamenei também disse que os EUA são a origem de todos os males e a mãe de todos os terrorismos. O acordo, então, se baseia em condições de pragmatismo e realismo político. Obama fala para seu público, para os aliados e para os políticos dos quais ele depende. Também está dizendo para o Congresso: "Olha, vamos verificar tudo. Isso aqui é controle, não é porque confio nos iranianos". E os iranianos dizem a mesma coisa ao seu público: "Nós não passamos a confiar nos EUA nem viramos aliados deles de uma hora para outra. O Irã não pretendia produzir armas atômicas e havia tempo todos sabiam disso".

Valor: Mas não era isso que as potências ocidentais diziam...

Nasser: A única dúvida é se os americanos realmente acham que os iranianos não querem ter armas nucleares ou se sabem bem que não e continuam a trabalhar essa ideia para manter uma assombração que fica no ar, a do risco iraniano.

Valor: Valor: Qual foi o papel do presidente Obama na conclusão do acordo?

Nasser: Irã e EUA vão continuar numa disputa forte em vários temas. Não temos ilusão de que será diferente. Não desaparecem as questões regionais. O tema nuclear era mais um problema para o Irã. Era uma pedra no sapato iraniano. Causava as sanções, a pressão internacional e transformava o Irã numa espécie de pária, um menino malvado. Obama, nesse sentido, foi o presidente certo para pragmática e realisticamente dizer: "Não temos outra saída. Não vamos atacar os iranianos. Portanto, temos que fechar um acordo. Vamos botar o máximo de pressão, para conseguir o máximo que a gente puder, mas é isso. Temos que ter o acordo". E ele fez isso contra uma boa parte de seu Congresso e também contra uma boa parte do grande aliado na região que é Israel. Mas Obama sabia que não havia uma saída mais inteligente do que essa.

Valor: O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que o acordo era "erro histórico". Que peso isso terá nas relações entre israelenses e americanos?

Nasser: Eles vociferam contra os EUA e o acordo. Mas, em algum momento, devem ter chegado à conclusão de que o acordo era inevitável. Gritam com a esperança de fazer os EUA pagarem um preço mais alto. Fazerem mais concessões e favores em outras pontas, mais dinheiro. A parceria estratégica não foi abalada nem será. A ligação entre os dois é muito mais íntima. Não é um estremecimento. É uma briga de amantes.

Valor: Na economia da região, qual é o peso que se espera desse acordo?

Nasser: Sem as sanções, o Irã terá um enorme potencial de crescimento no circuito do comércio, petróleo, entrada e saída de moeda. O Irã é um grande mercado e uma espécie de grande "hub". Não sei dizer, não é minha especialidade, se isso terá um grande impacto no preço do petróleo, gás. Mas sei que haverá importantes impactos econômicos na região, disso eu não tenho dúvidas.

Valor: Qual é o reflexo que o acordo pode ter na corrida armamentista mundial? Na produção de armas nucleares que, a exemplo do que aconteceu em Hiroshima há 70 anos, podem dizimar populações?

Nasser: Sei que o presidente Obama disse que o mundo, agora, ficou um lugar mais seguro. Mas, para aceitar essa conclusão, temos que concordar com a premissa de que, de fato, o Irã estava atrás da bomba nuclear e a usaria. A premissa é torta. Teríamos um mundo mais seguro se todos trabalhassem para banir totalmente o armamento nuclear do Oriente Médio. Para isso, teríamos que tratar do armamento nuclear de Israel. Deveria haver um compromisso de quem tem armas nucleares, declaradas ou não, e não as declara, de bani-las Há uma conexão válida com Hiroshima e a questão iraniana. As pessoas falam de Hiroshima, Nagasaki, como se tivesse havido um terremoto, uma catástrofe natural, matando milhares de pessoas em cidades japonesas. Ninguém diz que isso foi um ato criminoso, perpetrado por uma potência que já estava ganhando a guerra e violou o direito humanitário. O Irã não fará isso. Quando o aiatolá Khamenei, líder supremo do Irã, diz "não queremos a bomba atômica" é por que a arma e seu uso contrariam o direito islâmico. O Irã não pode ter nem pode usar.

Salem Nasser: pesquisador de questões árabes e muçulmanas e professor da FGV

http://www.valor.com.br/cultura/4138290/acordo-se-baseia-em-condicoes-de-realismo-politico