A onda de 37 anos


13/02/2016



No dia em que se pôde observar enfim as ondas gravitacionais que explicam o funcionamento do universo, os iranianos comemoravam os 37 anos de sua revolução islâmica, que ilustra e explica tanto do Oriente Médio.

Além de ter irreversivelmente transformado a região e, por extensão, a política mundial, a revolução iraniana apareceu como uma enorme onda que tocou todos os lugares do mundo em que houvesse muçulmanos, todas as comunidades, todas as famílias, todos os indivíduos.

A força desse evento emergia, e emerge ainda, de diversas fontes poderosas.

Os iranianos já não seriam clientes a serviço do Ocidente, dos Estados Unidos especificamente. Já não se deixariam oprimir pelo típico ditador caprichoso, corrupto e cruel tão bem visto pelo mesmo Ocidente desde que cumprisse as ordens, cedesse o petróleo e comprasse as armas para apontá-las sempre na direção dada, nunca em outra.

Muito cedo, como acontece nos autênticos processos revolucionários, finda a antiga ordem, os revolucionários disputaram o futuro entre si. O futuro islâmico, incorporado pela extraordinária força carismática de Khomeini, se impôs. Para um mundo muçulmano, e também para o árabe, cansados das derrotas impostas pelo colonialismo, era a promessa da realização de um sonho recorrente, o da resposta pelo Islã.

No Irã essa promessa veio pela mão do Islã xiita, marcado pela mensagem de luta contra a opressão, pelo símbolo poderoso do martírio, por uma teoria do poder que colocava o religioso no centro do universo político.

No Oriente Médio, nenhuma revolução passará sem punição, sem a contra-revolução. Imediatamente, o Ocidente mobilizou o Iraque de Saddam Hussein para uma guerra de 8 anos e bem mais de um milhão de mortos.

Essa guerra foi logo traduzida como um conflito entre o árabe sunita – ainda que o Iraque fosse majoritariamente xiita – e o persa xiita. Os muçulmanos no mundo inteiro foram convidados a perceber assim a coisa e a se alinharem a este ou aquele campo, segundo o seu pertencimento religioso. E assim foi.

 Naquele tempo, Saddam Hussein era o herói que combatia um Estado criminoso, fanático – ou será mero acidente o sentido que a palavra xiita passou a receber em nosso português brasileiro?

Mas a entrada posterior de Saddam Hussein para o clube dos párias não reabilitou o Irã.

Até o recente acordo sobre o programa nuclear iraniano, o único projeto dos Estados Unidos para esse país era a derrubada do regime percebido como ameaça a seus clientes e como inimigo de seu íntimo aliado, Israel.

O acordo pôs um freio a isso, porque o Irã se impôs como ator incontornável, mas não eliminou os ódios e as desconfianças, de parte a parte.

Quem quiser prestar atenção percebe as profundas ressonâncias daquela revolução em tudo que vemos hoje na Síria, no Iêmen, no Bahrein, na Arábia Saudita…

Ainda assim, quase ninguém lembrou da data ou de noticiar os festejos em Teerã e outros lugares. Quando, no entanto, vier o aniversário da soltura dos diplomatas americanos devemos certamente ouvir algo.

*Salem Nasser é professor de Direito Internacional da FGV Direito SP.

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