Serra e Israel
17/06/2016
Não só deixa a impressão de que nada está acontecendo no Senado e de que já não há uma presidente suspensa que poderia voltar, mas faz também pensar que teria sido de fato eleito e, portanto, estaria legitimado para redirecionar os destinos do País.
Escolhas fundamentais que determinarão em alguma medida nosso futuro são feitas pelo governo de um presidente que jamais estaria sentado na cadeira se não tivesse sido o vice-presidente sob a bandeira de escolhas diferentes.
É também assim na política externa, agora comandada pelo portador de um projeto derrotado nas urnas todas as vezes desde 2002.
Mas não é apenas nosso comportamento futuro que Serra quer mudar. Na semana que passou, uma nota do Ministério das Relações Exteriores expressou o desejo de mudar o que já está consumado.
A nota fazia referência a uma decisão do Conselho Executivo da UNESCO sobre o Patrimônio Cultural nos Territórios Palestinos Ocupados, aprovada por 33 votos, inclusive o brasileiro, a 6 e 17 abstenções, em abril último.
Nosso ministério faz agora críticas ao que seria o caráter parcial da decisão, por não levar em conta os laços históricos do povo judeu com a cidade velha de Jerusalém, indica que votará diferentemente no futuro caso o mesmo vício se verifique e, portanto, indica que se tivesse que votar hoje se juntaria aos seis derrotados.
Não deve haver surpresa em relação a esse desejo de que o passado fosse outro, quando o desejoso não se furtava, enquanto o passado se fazia, de fazer as suas críticas.
Mas a nota não é apenas a expressão desse desejo. Ela é um aceno, uma concessão, uma espécie de pedido de desculpas, uma promessa de romance e enlaces futuros.
Não se sabe se a demanda por todas essas coisas chegou cochichada ao ouvido de José Serra ou se ele as ofereceu movido pela espontaneidade de alguma paixão.
E para fazer os gestos, levou-se o Itamaraty a responder ao que não estava na decisão da UNESCO e a pedir que ela dissesse o que não fazia parte de seu objeto.
Essencialmente, a decisão afirma a responsabilidade que tem Israel, enquanto potência ocupante, de preservar o sítios históricos de toda a velha cidade de Jerusalém e especificamente aqueles relacionados aos lugares santos do Islã, e lamenta a violação por Israel de suas obrigações em relação a essa preservação.
Afirmar os laços históricos do povo judeu em relação ao muro ocidental, como pede a nota brasileira, serviria a quê? Seria um lembrete a Israel de que deve também preservar o muro ocidental ou seria oferecer a Israel uma desculpa para seguir colocando em risco os monumentos outros e restringindo o acesso dos palestinos a eles?
Um ministro que nos prometia uma política externa “de Estado”, por oposição àquela “de governo e de partido” antes praticada, parece querer mudar radicalmente o posicionamento brasileiro em uma questão central da política internacional.
Ironicamente, esse era um daqueles temas em que o grupo político do próprio ministro insistiu por muito tempo que o Brasil não deveria se meter, porque não era para o nosso bico.
Afastamo-nos agora do consenso internacional, namoramos o opressor e seus padrinhos em detrimento do oprimido e da justiça e o fazemos por alguma razão, desconhecida, que não tem nada a ver com os interesses do Estado brasileiro.
Eis de volta o tempo das genuflexões.