Análise: Apoio ao governo e à Irmandade Muçulmana não desapareceu


Salem Nasser

03/07/2013



O experimento egípcio com a democracia não chegou a bom termo. Nos últimos dias, o presidente Mursi chegou a repetir o que dizia Mubarak: "sou eu ou o caos".

E de novo a ameaça parece não surtir efeito.

Se não foi o caos que se seguiu a Mubarak, foi certamente um cenário de convulsão social, um doloroso parto do qual não se sabe se virá nova ordem democrática.

O primeiro arranjo a que se pretendeu o substituto institucional de Mubarak resultou de um compromisso entre as Forças Armadas, um poder essencial e histórico, e a Irmandade Muçulmana, a organização política mais estruturada e com maior penetração no tecido social egípcio.

Esse arranjo parece ter agora esgotado suas possibilidades. Ele não respondeu às expectativas de milhões de pessoas que hoje pedem a saída do presidente e, com ele, da Irmandade.

O arranjo pareceu trabalhar para uma nova concentração do poder e deu a impressão de querer servir à agenda do grupo antes de abordar os profundos problemas da sociedade egípcia.

Por falta de competência ou vontade, os problemas econômicos se perpetuam, a fragilidade institucional permanece e o código autoritário ainda vige. E as multidões voltam às praças.

Mas se recomenda cautela. Tantas vezes ao longo dos últimos tempos as revoltas no mundo árabe foram representadas como um enfrentamento entre o povo e o regime.

Seria mais apropriado falar em uma divisão da sociedade, os regimes se beneficiando de maior apoio popular do que se admite.

No Egito, neste momento, isso é ainda mais verdadeiro. A representatividade e a força da Irmandade e de outros grupos islamitas não se desfizeram no ar. O desafio maior é evitar que a divisão se torne violência generalizada.

Tampouco desapareceu o poder das Forças Armadas e, se cai Mursi, sua queda terá decorrido da perda do apoio dos militares. Assim como terá decorrido da perda de apoio de potências cuja influência permanece.

Alguém notará o paradoxo no fato de que as mesmas multidões que pedem por democracia festejam o ultimato das Forças Armadas.

Os militares reafirmam o seu papel de árbitro último. Esse fato serve a indicar que se está mais perto do meio do caminho do que do seu final.

A experiência egípcia parece anunciar, pela segunda vez em menos de três anos, surpresas e mais incerteza.

SALEM H. NASSER é professor de Direito Internacional da Direito GV

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