Ainda a Palestina


02/07/2016



De tempos em tempos é preciso falar da Palestina. É preciso insistir. Ainda que tudo já tenha sido dito. Ainda que nada tenha mudado. Ainda que nada haja de novo.

Talvez seja preciso repetir o já dito justamente porque nada há de novo.

Antes que nos esqueçamos, o tema re-emerge e se impõe a nós, mesmo que para isso tenha que se esgueirar entre a perplexidade causada pelo Brexit e a barbárie do Estado Islâmico que num mesmo dia atacou no Líbano e na Turquia.

O primeiro fato a puxar a Palestina para a superfície (as tragédias que duram demais tendem mesmo a ficar como que submersas) foi a comemoração, em vários lugares do mundo, neste 1o de julho, do dia internacional de Jerusalém.

A data comemorativa, que no calendário islâmico corresponde sempre à última sexta-feira do mês de Ramadã, o mês do jejum, foi concebida para lembrar o mundo muçulmano de seu compromisso com a cidade santa dos três monoteísmos.

O segundo fato é que no mesmo dia, coincidência interessante ainda que mera coincidência, o chamado Quarteto para o Oriente Médio – Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Nações Unidas – emitiu um relatório sobre a situação israelo-palestina e apontou para o risco que corre a solução dos dois Estados.

relatório  foi objeto de negociações e pressões que duraram meses e que pretendiam que seus termos fossem menos críticos a Israel.

Em sua forma final, ele aponta para três tendências que estariam colocando em risco as esperanças de paz: a contínua violência, os ataques contra civis e o incitamento à violência; a política contínua de construção de assentamentos e sua expansão; a escalada militar ilícita, a divisão palestina e a situação humanitária em Gaza.

O Quarteto encarna o que se poderia chamar de establishment internacional e, no plano do discurso ao menos, aposta na solução que passou a fazer consenso entre a maior parte dos Estados do mundo, a solução dos dois Estados.

O relatório consagra a fórmula que, por força de jogos de poder, vai sendo por todos naturalizada: primeiro se afirma o direito de Israel à segurança e apenas em seguida é lembrado o direito dos palestinos a terem um Estado viável.

E a fórmula tem ao menos dois defeitos: ela dá a entender, primeiro, que segurança é tudo que os israelenses querem, o que é falso; e ela permite pensar que os palestinos não têm a mesma necessidade de segurança, o mesmo direito a ela ou que podem submetê-la inteira à vontade e ao poder israelense.

Quem tende a enxergar assim as coisas prestará especial atenção às partes do relatório que falam da violência, especialmente no que ele se refere a atos terroristas contra civis, e da escalada militar em Gaza, na medida em que esta é qualificada de ilegal, e colocará todos os fracassos na conta palestina.

A mim, a parte que fala da expansão dos assentamentos, da designação das terras como de uso exclusivo por parte de Israel, da proibição da construção e de desenvolvimento por parte dos palestinos, interpela com mais força.

O relatório fala especificamente da chamada Area C dos territórios palestinos ocupados, ou seja, de 60% da Cisjordânia. Os palestinos estão proibidos de usar de qualquer modo 70% dessa area. Nos 30% restantes, de propriedade privada palestina, só se pode construir com autorização israelense, que não é dada – fala-se de uma única autorização em 2015 e nenhuma em 2016. Quando inevitavelmente se constrói sem a licença, vêm as ordens de demolição.

Enquanto isso, no mesmo espaço, multiplicam-se os assentamentos autorizados e não autorizados. Quando são feitos sem autorização, são legalizados a posteriori.

Trata-se de um processo intencional e planejado de tomada de território, de mudança da composição demográfica e, no limite, de limpeza étnica.

Por mais terríveis que sejam os episódios de violência que vitimam os civis de um e de outro lado, essa violência não se compara em gravidade ao que faz essa máquina de opressão sistemática.

Ainda que injustificáveis, muitos atos de violência de que se valem os palestinos decorrem do desespero, da humilhação, da desesperança. A ocupação convida a violência.

Já a política israelense de tirar o território de baixo das pernas dos palestinos não é meio de garantir a segurança. É simplesmente a eliminação de qualquer possibilidade de que exista uma Palestina.

Link curto: http://brasileiros.com.br/5L2FO