A EXTRATERRITORIALIDADE DAS LEIS AMERICANAS


Salem Nasser

24/06/2021



De modo geral, tende-se a pensar que as leis nacionais ficam limitadas em sua aplicação e em seus efeitos aos territórios dos Estados que as produzem.

Há, no entanto, ocasiões em que essas normas estatais atingem pessoas ou eventos localizados em países outros. Diz-se então que elas têm aplicação ou efeitos extraterritoriais.

Nenhum ordenamento jurídico nacional apresenta um potencial de extraterritorialidade de suas leis que seja comparável àquele do sistema dos Estados Unidos da América. A principal razão para isso está na centralidade daquele país nas relações econômicas internacionais, a centralidade de seu sistema financeiro para essas relações, o lugar preponderante de suas bolsas no mercado mobiliário mundial.

Essa centralidade faz, por um lado, com que muitos dos fluxos e das trocas internacionais, ainda que se deem essencialmente em outros lugares, tenham alguma conexão com os Estados Unidos, ainda que superficial; e, por outro lado, faz com que o legislador estadunidense se permita mais frequentemente que outros prever o efeito extraterritorial para os seus produtos normativos.

E, de fato, com grande frequência, os tribunais e as autoridades investigativas ou persecutórias americanas se veem confrontados com a pergunta sobre o alcance do campo de aplicação de suas leis e com a possibilidade de ordenar, por exemplo, a produção de provas em outras jurisdições.

É interessante notar, no entanto, que o princípio consagrado na Suprema Corte dos Estados Unidos é o da presunção de ausência de efeitos extraterritoriais das leis e, portanto, da necessidade de previsão expressa de tal efeito para que ele se aplique.

Mas a jurisprudência tem tendido a avaliar a medida em que os casos, de algum modo, tocam o território dos Estados Unidos, quer no que diz respeito às condutas ali ocorridas, quer no que concerne os efeitos que possam ser ali produzidos. Nesse contexto da jurisprudência de “conduta e efeito”, os resultados mais variados podem ser esperados.

Isso necessariamente carrega um alto grau de insegurança jurídica, especialmente considerando o grau de discricionariedade de que gozam juízes e outras autoridades do país. Uma insegurança jurídica que não se restringe apenas ao território americano, mas atinge todos os que de algum modo possam ver sues relações e seus negócios atraídos para a esfera de influência dos investigadores e dos tribunais dos Estados Unidos.

A evolução do debate nos Estados Unidos, que inclui as variadas leis e regulações que, de um modo ou de outro, preveem algum potencial de extraterritorialidade e também a evolução da jurisprudência em relação ao tema em cada uma das principais áreas listadas a seguir: títulos mobiliários, crime organizado, fraudes no sistema de pagamentos, negociação de commodities, práticas anticoncorrenciais, práticas corruptas realizadas no estrangeiro, sanções, lavagem de dinheiro.